sábado, 21 de abril de 2012

Palestra sobre a "dóxa" em Platão

Nesta última terça-feira (17/04) às 18:30 ocorreu a palestra da professora Carla Francalanci(UFRJ): A dóxa no livro I da República de Platão. O evento foi promovido pelo grupo de pesquisa NOÛS - Estudos de hermenêutica filosófica e de história da filosofia e teve lugar na sala 34 do Instituto de Biologia (IB). Em vez de relatar o que aconteceu na palestra, prefiro chamar a atenção para alguns pontos elaborados e discutidos pela professora Carla tanto em sua excelente palestra quanto também nas respostas que deu às diversas perguntas que lhe foram endereçadas por alunos e professores. Todos aqueles que já tiveram contato com a filosofia, mesmo que de forma superficial, já ouviram falar na famosa oposição entre dóxa e epistéme, entre ciência e opinião, a qual corresponde a uma daquelas obviedades que fundam o nosso mundo e que, por isso mesmo, ninguém julga necessário investigar. Platão foi certamente o primeiro filósofo a estabelecer claramente essa distinção e a buscar, de maneira incansável, fundar o domínio da ciência para além das aparências e da particularidade da opinião. Todos os manuais de filosofia enfatizam esse ponto e por esta mesma razão alguns historiadores da filosofia e filósofos contemporâneos(Nietzsche, por exemplo) chegaram a designar os filósofos anteriores como pré-platônicos. Quem já não leu a famosa "alegoria da caverna" e reconheceu nesta história o contraste, tão familiar para o nosso ambiente iluminista, entre aqueles que estão presos e acorrentados às sombras da realidade e aquele outro que se liberta para a difícil e perigosa busca do conhecimento verdadeiro? Pois bem, em sua palestra, a professora Carla questiona essa oposição pura e simples exatamente ali onde ela teria se estabelecido de maneira mais paradigmática, a saber: na República de Platão. Para Carla, Platão ele próprio é profundamente ambíguo em relação à dóxa. E não se trata de uma ambiguidade qualquer. Identificada às aparências e considerada um mixto de ser e de não-ser, de saber e de não-saber, a dóxa configura a via de acesso privilegiada e única para todo e qualquer real. Todos nós, afinal, somos semelhantes àqueles famosos prisioneiros acima mencionados, como lembra a Glauco o próprio Sócrates diante da perplexidade do primeiro. A dóxa é o próprio aparecer imediato da coisa e o seu parecer para mim. Ninguém está livre de ter de tomar a realidade assim como ela de imediato se apresenta sem a nossa interferência. Se não tivéssemos, de início, nenhuma convicção a respeito de nada jamais poderíamos questionar coisa alguma. Afinal, de onde retiraríamos a direção para esse questionamento? Por isso, Carla pode dizer que a dóxa em Platão é, antes de tudo, "a evidência primeira em que eu tenho de me fiar para realizar um caminho de conhecimento." É o que vemos acontecer, a todo momento, nos diálogos de Platão, quando Sócrates pede a seu interlocutor que este confirme estar vendo as coisas de determinada maneira. Sem semelhante parcialidade no e do ver jamais seria possível progredir no conhecimento ou mesmo realizar refutações. É que então não haveria nada nem ninguém para ser refutado. É também o que pretende Aristóteles quando diz que, ao contrário da imaginação (phantasía), "a opinião não depende de nós, pois é preciso que ela seja falsa ou verdadeira"(De anima, 427 b 18), numa daquelas frases que levaram ao desespero muitos comentadores modernos, ciosos de compatibilizar os gregos com o nosso modo atual de pensar. Mas aquilo que mais me fez pensar na palestra da professora Carla foi sua afirmação de que na dóxa se faz presente a própria força da tradição, a qual Platão está longe de pretender negar. Se os sofistas podiam considerar-se em boa medida "livres" do pertencimento à tradição, Platão estava sem dúvida entre aqueles que julgavam preciso assumi-la mediante o exercício sistemático da interpretação. Afinal, a troco de que nos livraríamos simplesmente daquilo que o passado nos legou de mais precioso? Por outro lado, quando o passado já não fala por si mesmo diretamente aos nossos ouvidos, é preciso fazê-lo falar. Esta ousadia, este empenho sem garantias, é a essência do empenho de uma hermenêutica filosófica que não se ignora a si mesma. Será a verdadeira tarefa de uma história da filosofia e do próprio ensino de filosofia o empenho de revigorar a dóxa? De todo modo, isso não pode significar preferir à ciência a simples opinião.

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