segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Filosofia contemporânea

O simples título "filosofia contemporânea" já nos dá o que pensar. Tratar-se-ia da filosofia que, de fato, está ajustada ao tempo presente. Todas as demais filosofias seriam apenas apropriadas à Época passada correspondente, de sorte que todas já estariam hoje definitivamente ultrapassadas. Isso só seria verdadeiro se cada Época histórica e cada pensamento fossem uma realidade fechada sobre si mesma sem relação com outras Épocas e pensamentos. Todavia, não é por ter sido pensado um dia, em consonância com demandas e problemas efetivamente presentes, que um pensamento pode ser considerado "datado". O que faz um pensamento ser "datado" é sempre o fato de ele não ter sido suficientemente radical, e radicalidade não é nada que pertença a uma Época específica em detrimento de outras. Eis porque um pensamento pode ser "contemporâneo" e já ser inteiramente "datado". Por outro lado, como poderíamos pensar radicalmente sem que nada nos levasse a tanto? Um pensamento é radical apenas por revelar-se capaz de descer às raízes daquilo que hoje é. Nesse sentido, toda filosofia ou é contemporânea ou simplesmente não é filosofia nenhuma, supondo que haja uma identidade entre filosofia e pensamento radical ou não "datado". Mas para poder descer às raízes, um pensamento deve primeiro corresponder ao apelo que lhe chega de sua própria situação, que é sempre a situação de um ser essencialmente finito, isto é, histórico. Sem se deixar requisitar por esse apelo, que lhe chega de sua própria situação histórica, nenhum pensamento poderia cumprir seu destino de radicalidade. De onde nos chega hoje esse apelo? Sem dúvida, esse apelo nos chega da ciência entendida de modo amplo. Correspondendo ao apelo de pensamento que nos  chega da própria ciência, nos colocamos, pela primeira vez, numa posição de liberdade em relação a ela, e isso significa que já não precisamos nem louvá-la e nem tampouco condená-la. Para compreender um pouco o que essa posição de liberdade diante da ciência pode nos proporcionar, cito as palavras ricas de radicalidade pensante de Emmanuel Carneiro Leão:  "Na era atômica, em que a técnica e a ciência desenvolvem um vigor planetário, a missão da filosofia não é corrigir ou substituir-se à ciência. É apenas ser a catársis de uma autoconsciência. Na reflexão sobre as condições de possibilidade da própria ciência ela recorda que todo conceito humano é sempre uma configuração histórica da Verdade do Ser, em cujo dinamismo se articulam as manifestações existenciais das várias épocas da humanidade. Na terra dos homens não há previdência, nem providência escatológica. O homem nunca é o autofalante do absoluto. De antemão não sabe aonde vai chegar, nem mesmo se vai chegar. É que  não nos podemos despir de nossa finitude, como de um manto vergonhoso, para revestirmo-nos da clareza meridiana de um saber sem sombras. O homem não é um Deus mascarado que nas vicissitudes históricas da existência fosse desmascarando sua divindade. A filosofia permanecerá sempre a reflexão finita do mais finito dos entes, por ser o único cônscio de sua finitude. Assim, os filósofos serão sempre os aventureiros que se afastam da terra firme dos entes e se lançam nas peripécias da história em busca da verdade do homem. Os argonautas do Ser." (Cf. Aprendendo a Pensar I. Rio de Janeiro: Daimon Editora, 2008, p. 32) 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Universidade e formação humana


           A Universidade é reconhecida como o espaço por excelência da produção e da transmissão do saber. Na medida em que reconhecemos que o destino humano se encontra em estreita conexão com o saber, a Universidade se apresenta também como o espaço privilegiado da formação humana. É pelo saber e graça a ele unicamente que o homem pode chegar a uma verdadeira formação. Mas o que é e como se dá genuinamente isso que chamamos de saber? Como é que chegamos ao saber? Todos nós costumamos prezar o saber, todos nós costumamos supor que é o saber e só o saber que liberta, mas nunca ou quase nunca nos inquietamos perguntando como se dá isso. A filosofia reside toda ela nesse empenho obstinado pelo como. Nunca deveríamos nos dar por satisfeitos com alguma coisa sem investigar como ela é. Platão faz Sócrates dizer, a certa altura do Fédon, que uma vida sem exame não merece ser vivida. Examinar, perguntar, investigar constitui assim, para Platão, o que, em última instância, confere sentido a uma existência humana. Mas como chegamos a estar em condições de, por nós mesmos, examinar, perguntar e investigar? Bastaria a nossa simples vontade para isso?
            Temos de reconhecer que mesmo quando estamos na condição de estudantes dedicados ou de pesquisadores experimentados, pouco ou muito pouco do todo de nosso esforço é consagrado ao exame e à investigação. Em geral, o que chamamos de estudar e pesquisar quase se limita a um empenho de assimilação do que já se acha instituído como saber. Em vez de examinarmos nós mesmos alguma questão, o que mais acontece é nos prepararmos para algum exame. Em vez de ousarmos perguntar e explorar determinado tema ou assunto, ligamos o computador e buscamos, na internet, explicações que nos retirem, justamente, a inquietação de querer saber. Por que procedemos desse modo? Será que não procedemos assim exatamente por não sabermos como se dá o saber? Neste caso, estaríamos todos numa estranha situação: prezamos o saber sem ter a mínima ideia de como ele se dá. Acreditamos que o saber e somente o saber liberta, mas nos sentimos cada vez mais oprimidos pela exigência crescente de tudo saber, de estarmos sempre bem informados a respeito de tudo. Ninguém hoje em dia aceita parecer ignorante. Todos querem, antes de procurarem saber por si mesmos, aparentar que sabem. Mas como chegaríamos a saber sem saber por nós mesmos? Como poderíamos perguntar, examinar e investigar sem assumirmos nossa própria ignorância? Sendo assim, não residiria o próprio saber nessa coragem de assumir que não sabemos? Não seria desse modo e somente desse modo que todo saber acontece e pode acontecer? Por que então temos tanta vergonha e procuramos fugir do incômodo de não saber? O que haveria de tão indigesto em nossa própria ignorância, a ponto de preferirmos a ela um saber aparente qualquer?
            Quando assumimos que ignoramos assumimos que nós mesmos não sabemos. Não seria isso algo simples e natural? Por que não é assim? Por que procuramos esconder dos outros e de nós mesmos que não sabemos? Em geral, de fato, buscamos respostas e não perguntas. Em virtude de estarmos aqui e ali sem uma resposta disponível e à mão, isto ainda não significa que sejamos capazes de perguntar. Acreditamos mesmo que a resposta existe em alguma parte e que, lamentavelmente, por uma ironia do destino, estamos privados dela. É dessa forma que, ao sofrermos com a nossa ignorância, o que de verdade nos faz sofrer é a nossa própria expectativa infundada de um saber absoluto, ou seja, de um saber que consistisse todo ele de respostas prontas, e que nunca tivesse experimentado, em tempo algum, a indigência de uma não saber. Ora, tal saber não existe e nunca existiu. Tampouco a pergunta consiste na simples falta de uma resposta. A pergunta ela mesma, para poder perguntar alguma coisa, deve ser capaz de tornar acessível e iluminar, por si só, o perguntado. É desse modo que ela pode dar início a uma verdadeira investigação, propiciando um saber genuíno. Na apatia de sempre querer ter respostas ainda não nos mostramos capazes de perguntar e assim também de saber por nós mesmos. Só que então também não dispomos de liberdade para ser o que somos. Talvez a verdadeira e difícil tarefa da Universidade seja formar indivíduos que sejam tais, pessoas que sejam capazes de se alegrar com a descoberta do próprio não saber e que assim se tornem capazes de saber. Afinal, não seria pelo exercício mesmo de querer saber que se pode produzir e transmitir saber?

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Intolerância e violência na Universidade

Publico abaixo o manifesto dos docentes da UNIFESP em relação aos últimos acontecimentos de intransigência e violência ocorridos do compus de Guarulhos. Infelizmente não devemos supor que se trata de uma ocorrência localizada. É preciso repudiar com veemência esse tipo de comportamento incompatível com a vida universitária.

Guarulhos, 18 de junho de 2012. Manifesto de professores da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas UNIFESP (Campus Guarulhos) 

Desde o início do primeiro semestre letivo de 2012 os alunos da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH), da Unifesp Campus Guarulhos, estão paralisados. O movimento dos estudantes, iniciado em março, tinha como objetivo reivindicar resoluções de problemas de infraestrutura do campus. Vários professores, a própria Direção Acadêmica, assim como a Reitoria, já manifestaram publicamente consciência dos problemas, e afirmam que os mesmos são de diversos níveis e demandam tempos diferentes de resolução. Há problemas que podem ser resolvidos em curto prazo; outros - como a construção de um prédio definitivo - fatalmente levarão mais tempo. Desta maneira, o movimento dos estudantes teve início num clima de diálogo entre todas as instâncias. Do início até o atual momento, presenciamos a radicalização extrema deste processo, com um pequeno grupo de alunos dominando, por meio de agressões verbais e físicas, as assembleias de discentes, além de utilizarem métodos de coação com os próprios colegas. As agressões passaram a atingir também os professores que, inicialmente, tentavam dar aulas; logo os ataques aos docentes proliferaram, ocorrendo de forma gratuita. Primeiro, houve a ocupação da Diretoria Acadêmica por parte de um grupo de alunos, mesmo sem representar a opinião da maioria. Na sequência, eles ocuparam quase todas as dependências do campus, inviabilizando o acesso dos docentes às suas salas e escaninhos, onde a correspondência institucional é depositada. Várias vezes em que os docentes, de diferentes cursos, tentaram entrar nas dependências do campus, foram insultados verbalmente e ameaçados fisicamente pelo grupo de alunos que se manifesta de forma agressiva. Este processo culminou nos episódios lamentáveis de 14 de junho de 2012. Depois da ocupação ter sido desmobilizada pacificamente na semana anterior, por um processo de reintegração de posse, o campus, que estava sendo reformado, foi atacado por esse grupo de alunos. Eles cometeram atos de vandalismo após realizarem uma assembleia. Atacaram o campus quebrando os vidros das portas, jogando pedras, pichando paredes, destruindo móveis. A polícia militar teve que ser acionada para proteger a integridade física de docentes e funcionários, bem como o patrimônio público. Os docentes e funcionários que lá estavam ficaram impedidos de sair e alguns chegaram a entrar debaixo das mesas para se protegerem. A imprensa pouco ou nada tem noticiado a respeito da situação vivida pelos professores e pessoal técnico-administrativo. Por meio deste manifesto, nós, docentes da EFLCH abaixo-assinados, queremos externar publicamente e da forma mais ampla possível o nosso protesto: - contra os atos de intimidação e vandalismo de um pequeno número de pessoas que pretende ser considerado aluno enquanto agride verbal e fisicamente seus docentes; - pela institucionalidade e governo vigentes no campus; - pelas condições de segurança no uso do nosso espaço de trabalho; - por fim, por nossa dignidade profissional. Subscrevemo-nos: 1. Alexandre de Oliveira Ferreira - Departamento de Filosofia 2. Alexandre Pianelli Godoy - Departamento de História 3. Ana Lúcia Lana Nemi - Departamento de História 4. Ana Maria Hoffmann – Departamento de História da Arte 5. André Medina Carone – Departamento de Filosofia 6. Andréa Slemian - Departamento de História 7. Antonio Sergio Carvalho Rosa – Departamento de Ciências Sociais 8. Antonio Simplício de Almeida Neto - Departamento de História 9. Arlenice Almeida – Departamento de Filosofia 10. Carlos Augusto Machado - Departamento de História 11. Cecília Cintra Cavaleiro de Macedo – Departamento de Filosofia 12. Claudemir Roque Tossato - Departamento de Filosofia 13. Claudia Plens - Departamento de História 14. Daniel Revah – Departamento de Pedagogia 15. Eduardo Kickhofel – Departamento de Filosofia 16. Eduino José de Macedo Orione – Departamento de Letras 17. Fabiana Schleumer – Departamento de História 18. Fabiano Fernandes – Departamento de História 19. Fábio Franzini – Departamento de História 20. Francine F. Weiss Ricieri – Departamento de Letras 21. Gabriela Nunes Ferreira – Departamento de Ciências Sociais 22. Henry Burnett – Departamento de Filosofia 23. Ivo da Silva Júnior – Departamento de Filosofia 24. Jaime Rodrigues – Departamento de História 25. Jamil Ibrahim Iskandar – Departamento de Filosofia 26. Julio Moracen – Departamento de História 27. Juliana Peixoto – Departamento de Filosofia 28. Karen Macknow Lisboa - Departamento de História 29. Ligia Fonseca Ferreira – Departamento de Letras 30. Lilian Santiago- Departamento de Filosofia 31. Lucilia Siqueira – Departamento de História 32. Márcia Eckert Miranda - Departamento de História 33. Maria Fernanda Lombardi Fernandes – Departamento de Ciências Sociais 34. Mariana Villaça – Departamento de História 35. Márcia Romero – Departamento de Pedagogia 36. Maria Luiza Ferreira de Oliveira - Departamento de História 37. Maria Rita de Almeida Toledo – Departamento de História 38. Odair da Cruz Paiva - Departamento de História 39. Olgária Chain Feres Matos – Departamento de Filosofia 40. Patrícia Teixeira dos Santos - Departamento de História 41. Paulo Fernando Tadeu Ferreira - Departamento de Filosofia 42. Pedro Santos – Departamento de Filosofia 43. Plínio Junqueira Smith - Departamento de Filosofia 44. Rafael Ruiz Gonzalez - Departamento de História 45. Rita Paiva – Departamento de Filosofia 46. Rossana Alves Baptista Pinheiro - Departamento de História 47. Samira Adel Osman - Departamento de História 48. Stella Maris Scatena Franco - Departamento de História 49. Tatiana Savoia Landini – Departamento de Ciências Sociais 50. Wilma Peres Costa - Departamento de História

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O que significa fazer história da filosofia?

O que chamamos de história da filosofia corresponde, em sentido comum e usual, a uma espécie de disciplina específica da filosofia entendida enquanto grande área do saber. É bastante frequente a tentativa de demarcar um terreno entre aqueles que se dedicam diretamente aos problemas filosóficos ditados pela realidade e aqueles outros que apenas buscam inventariar as doutrinas e sistemas filosóficos do passado, de modo a explicar, da maneira a mais clara e objetiva possível, o seu sentido e real significado. A filosofia estaria dividida entre os filósofos autênticos e os historiadores da filosofia. Esta divisão, no entanto, é apenas aparente e está longe de corresponder à dinâmica mais essencial da atividade filosófica, sendo, ao contrário, a fonte das mais extremadas deturpações do seu sentido. É assim que vem se constituindo, por exemplo, um tipo de interesse acadêmico por exposições "objetivas" e isentas de pretensões filosóficas próprias, as quais seriam as únicas verdadeiramente confiáveis. Quando alguém se propõe a apresentar algum tema relacionado à filosofia de Aristóteles, queremos estar seguros de que se trata de um Aristóteles "puro", não contaminado e "deturpado" por nada tenha vindo depois dele. Este parece ser o meio mais adequado para passearmos, de maneira descompromissada, pelo passado filosófico, traçando diferenças entre os mais diversos sistemas filosóficos, sem termos de levar em conta a questão mais urgente da verdade de tais sistemas. Podemos então ter as nossas preferências, sem ter que questionar as preferências dos outros. Este seria o nosso atual Éden filosófico, o ambiente mias adequado para espíritos "democráticos" e "sofisticados", o qual deve a todo custo evitar uma única coisa: que se pretenda fazer falar uma filosofia desde a sua própria verdade. Isto deve soar-nos, necessariamente, por demais grosseiro e pretensioso. Equivaleria a ignorar que a filosofia de Aristóteles, por exemplo, é apenas a filosofia de Aristóteles, a qual somente foi verdadeira, na melhor das hipóteses, para ele e para o seu contexto específico, determinado pelo progresso da história das ideias. Semelhante veredito, porém, acaba desconsiderando um aspecto decisivo da própria história da filosofia, a saber: a situação tantas vezes verificada de uma filosofia do passado irrompendo no presente, através de apropriações criadoras e revolucionárias, como portadora de uma espécie de verdade intemporal. Muitas vezes é a própria filosofia que acontece em sua propriedade quando uma determinada filosofia faz pleno sentido para nós. Este fenômeno foi compreendido pela hermenêutica filosófica de Gadamer com o termo "fusão de horizontes". De fato, semelhantes redescobertas rompem exatamente com a distância segura que julgávamos estabelecida entre nós e o passado, apresentando a filosofia como uma presença inquietante e inesperada em nosso mundo, subvertendo as nossas expectativas imediatas de sentido, e abrindo todo um mundo de novas possibilidades. Não seria esta, porém, a presença mais autêntica e perturbadora da própria filosofia? Por que deveríamos nos proteger contra ela?

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Razões e desrazões da greve

Não há dúvida de que o atual movimento grevista dos docentes das universidades públicas federais possui sérias razões de ser, pois do contrário não veríamos a adesão ampla que estamos vendo ao movimento a nível nacional. A expansão das vagas e dos cursos, bem como da estrutura física das instituições federais de ensino, promovida pelo governo Lula, trouxe consigo problemas estruturais que ameaçam a qualidade da formação oferecida tradicionalmente por essas instituições. Por outro lado, na comparação das carreiras no funcionalismo público federal, deixam-se perceber com facilidade graves distorções salariais, as quais muitas vezes agridem o bom senso e promovem privilégios injustificáveis. Por vezes um servidor com nível médio de formação pode receber um salário inicial bem maior do que um docente com doutorado e significativa produção acadêmica e científica. Há também a preocupação com a crise mundial e com a tendência de todos os governos de "fazerem caixa" retirando direitos dos trabalhadores do serviço público, sempre vistos como os vilões do aumento dos gastos públicos. Tudo isso procede e justifica a adesão à greve nacional dos docentes das universidades públicas. Por outro lado, preocupa-me bastante a condução da greve pelos nosso sindicato nacional: o ANDES. Quando compareci às primeiras assembleias percebi que o discurso dos dirigentes sindicais buscava amparar-se no descumprimento do acordo com o governo realizado no ano passado. Este era o principal fator de mobilização e de indignação da categoria, por mais que tal acordo viesse sendo sistematicamente desqualificado pelos mesmos dirigentes. Exatamente por esse motivo compareci à assembleia do dia 10/05 na qual foi aprovado por unanimidade o indicativo de greve para o dia 17/05. Por mais que se falasse em reestruturação da carreira como bandeira da greve, nenhum dirigente sindical se dispôs a apresentar a proposta do ANDES e ressaltar suas diferenças em relação à proposta do governo. Parecia que todos já deveria conhecer do cor tal proposta. Depois veio a aprovação fatídica da greve na assembleia do dia 15/05, à qual já me referi na postagem anterior. Pois bem, uma vez aprovada a greve tive agora a oportunidade de tomar conhecimento, através de e-mails de colegas, do plano de reestruturação da carreira formulado pelo ANDES, e que vem a ser a principal bandeira da greve para o sindicato. Fico sabendo então que estamos em greve para que desapareçam as classes tradicionais da carreira docente: auxiliar, assistente, adjunto, associado e titular, todas organizadas em quatro níveis de progressão funcional de acordo com a titulação do docente, e para que, em seu lugar, existam apenas 13 níveis de progressão "automática", sem consideração da titulação. Também cairia a exigência de que se possua pós-graduação para o ingresso na carreira de professor de nível superior, pois somente seria exigida a graduação. Além disso, o sindicato propõe que desapareça do nivelamento a categoria de auxiliar (o nível 1 começaria pelo que hoje corresponde à faixa de assistente). Ora, para quem sabe ler nas entrelinhas, isso equivale a um título de mestre concedido pelo sindicato àqueles que hoje ainda não o possuem. O ANDES, caso sua proposta seja aprovada, conseguirá dar título de "mestre" a todos os professores que ingressarem na carreira, mesmo que não o possuam. Além disso, abrem-se ótimas perspectivas de trabalho na carreira docente para os estudantes engajados no DCE e que queiram abreviar seu percurso acadêmico. Estes poderão formar-se na escola da militância política estudantil, por mais que desprezem as aulas dos demais professores burgueses, e depois entrarem na carreira docente, graças aos seus inúmeros contatos sindicais com o professores engajados. Afinal, para que estudar? Basta conscientizar. Estudar não seria mesmo coisa de burguês alienado?  Ou como vi num cartaz pendurado em uma janela do falecido hotel da UFRRJ: "Professores, chega de palestra, queremos mudança de atitude!" 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Assembléia e greve dos docentes na UFRRJ

Estive ontem na assembléia dos docentes convocada pela ADUR, se é que podemos chamá-la assim, e o que testemunhei foi algo extremamente preocupante. Eram cerca de oitenta professores e um grupo de cerca de cento e cinquenta estudantes, dirigidos por uma claque do DCE (leia-se PSTU). A cada manifestação de alguns poucos professores no sentido de um encaminhamento diferente daquele dado pela direção do sindicato ouviam-se vaias e manifestações desrespeitosas por parte da claque do DCE, enquanto os discursos pela greve já e contra o "governo patronal da presidente Dilma e do PT" eram efusivamente aplaudidos e ovacionados. Em suma: uma vergonha! Não houve condições mínimas para um debate sobre a oportunidade ou não da deflagração do movimento grevista, algo necessário em virtude de o acordo feito com o sindicato nacional (ANDES) no ano passado ter sido cumprido pelo governo. Ao invés disso, os discursos inflamados dos dirigentes sindicais buscaram ridicularizar um acordo que, goste-se ou não, foi assinado pela direção do sindicato, destacando perdas salarias relativas à insalubridade, o que poderia ser revisto mediante negociação da medida provisória. Por fim, o último professor a discursar na assembléia, que compunha a mesa, chegou a defender que se apenas dez professores estivessem presentes e deliberassem pela greve todos deveriam acatá-la. Um verdadeiro absurdo! Não considero legítima essa assembléia e creio que o sindicato vem ocultando o andamento das negociações com o governo sobre o plano de carreira da categoria. Por esses motivos não vou aderir a essa greve que julgo completamente despropositada, ideológica e ilegítima. Greve não é instrumento de protesto. Não se faz greve, ainda mais quando se trata de serviço público financiado por um povo sofrido como o nosso e quando se tem a estabilidade garantida por lei, "pela melhoria da Universidade pública". Greve é um caminho extremado de luta por melhoria salarial, quando foram esgotados todos os canais de negociação ou quando os acordos feitos nesse sentido não foram cumpridos. Se este era o caso já não o é mais em virtude da medida provisória assinada pela presidente Dilma. É uma vergonha que o sindicato conte com o desejo de férias de alguns professores para o sucesso desse movimento grevista que já nasceu fadado ao fracasso.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Palestra do professor Gilvan Fogel na UFRRJ

No último dia 07/05 teve lugar, no auditório Paulo Freire (ICHS), a palestra do professor Gilvan Fogel(UFRJ) intitulada: "Niilismo e superação da metafísica". A palestra foi uma iniciativa do grupo de pesquisa NOÛS- Estudos de hermenêutica filosófica e de história da filosofia e contou com a participação de alunos e professores do curso de filosofia da UFRRJ. O tema da palestra remetia diretamente à filosofia de Nietzsche e à problemática da desvalorização dos valores superiores da cultura Ocidental, precisamente o que foi chamado por ele de niilismo. De certa maneira, esses valores (unidade, finalidade, verdade) representariam uma espécie de revolta contra a vida naquilo que ela possuiria de mais próprio: o ser sempre e necessariamente esforço, aparência e incompletude. Tais valores, levados à sua exarcebação pela ciência e pela técnica modernas, acarretariam, fatalmente, um enfraquecimento da vida enquanto dinâmica criadora.  É nesse sentido que o professor Gilvan chegou a afirmar que "a interiorização é a doença do homem". Por interiorização está se entendendo aqui a dinâmica de afastamento e de ensurdecimento do homem em relação ao imperativo de auto-superação ditado pela própria vida, que é em si mesma "vontade" de auto-exposição, aquilo que os gregos chamaram de PSYCHÉ. A vida não está em nosso poder. Não somos nós os seus autores e, por isso, não podemos dispor dela ao nosso bel prazer. Pelo contrário, é a vida mesma, enquanto essa dinâmica de auto-exposição, que dispõe de nós e nos permite vir a ser o que somos. É junto com e a partir desse imperativo de ser que se pode falar de realidade. Não há e não acontece realidade alguma para aquele que já não esteja vivendo desde essa dimensão. Para a planta e para o animal, por exemplo, não acontece realidade. Com isso, não se pretende dizer que somente o homem é real, mas antes, pelo contrário, que o acontecer do real ele mesmo é inseparável do acontecer de homem. Por isso, segundo o professor Gilvan, "o homem é a hora e o lugar de toda a realidade possível". É por ter esquecido esse acontecimento fundamental que a metafísica acaba por desenvolver-se historicamente como niilismo. Quer me parecer que foi neste ponto da palestra que surgiram, ao mesmo tempo, a maior dificuldade e o maior desafio de compreensão colocados pelo professor. Afinal, como o homem poderia ser a hora e o lugar de todo real possível sem ser ele mesmo o autor da própria realidade, algo como um substituto do Deus cristão? Para o professor Gilvan, no entanto, não se trata em absoluto de algum tipo de antropomorfismo ou antropocentrismo, que aliás, segundo ele, seriam característicos da metafísica da subjetividade da Época Moderna. Nietzsche, ao contrário, estaria se confrontando exatamente com essa tradição. Que as coisas se passem desse modo fica evidente quando se lembra que, para Nietzsche, é a arte o contra movimento em relação ao niilismo e à metafísica. Na arte mostra-se exemplarmente que o sentido  não é nunca alguma coisa que se deixe localizar em algum lugar aquém ou além do próprio fazer. No fazer do artista genuíno aparece que o sentido está todo ele no fazer e apenas no fazer. Ora, diríamos nós, mas o fazer não é o produto da minha vontade e decisão? Não sou eu quem decide, autonomamente, como bem salientou a filosofia moderna, agir ou não agir, sendo inteiramente responsável por isso? De forma alguma, nos diz Gilvan Fogel, ao menos no nível radical da ação criadora que é, por princípio, o fazer da arte. Nesse nível ou dimensão, não é o homem, enquanto indivíduo, quem decide fazer ou não fazer, mas a própria coisa a ser feita impõe a sua presença a partir de si mesma. O homem, no caso em questão, o artista, é que seria muito mais um resultado tardio, embora constitutivo, do próprio fazer criador, daí não poder colocar-se a si mesmo que "autor" da própria ação. Neste caso, em lugar da autonomia da vontade, que se realiza historicamente no empenho de controle e asseguramento técnicos de todo o real, teríamos uma disponibilidade confiante para o que se manifesta a partir de si mesmo e que se envia como tal em uma ação necessária. Não que isso signifique a transformação de toda ação em fazer artístico, no sentido de um esteticismo. A ação é que a cada vez permite o aparecimento singular e imprevisível do homem e do próprio real. Não seria isso justamente a superação da metafísica enquanto esforço de disponibilização do real e do próprio homem? Apostamos que sim.